quarta-feira, novembro 09, 2005

Turvos

Chego ao final de cada dia com a vontade intacta de não ter chegado a sair da cama. Não sei porque ainda o vou fazendo. Talvez, apenas, para não dar o braço a torcer «tão» cedo. Talvez porque ir para a faculdade seja o único estímulo para me manter reactivo. Talvez porque não quero decepcionar aqueles que me colocam no pedestal, de onde rezo para que me derrubem. Se me atirarem uma pedra, se conseguir arranjar um motivo, mesmo que não seja verdadeiro, sobretudo se não for verdadeiro, eu vou poder deixar-me cair. E, assim, não vou deixar que me ergam acima dos outros, não vou deixar que me dêem a benção da excepcionalidade. Ser considerado excepcional esgota-me, tira-me a energia e a espontaneidade, mesmo que não o seja e que apenas iluda quem me olhe com olhos turvos de outra coisa qualquer que desconheço. Dêem-me um motivo, só vos peço uma desculpa para que me deixem cair. Não têm que fazer um grande esforço, esse será o meu último trabalho. A demonstração final da minha arte, a prova final da excepcionalidade que me exigem. E depois acabou. Acabou o frenesim na minha mente. Acabaram as perguntas e receios. E estou livre. Livre de todos, excepto do fracasso de mim mesmo. Vivendo sem a esperança de ninguém, sem a esperança de mim mesmo. Enrolado no meu mundo letárgico e sem vida.

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