Encontrei, uma vez, à beira de um lago um seixo cinzento. Era ligeiramente oval e plano e macio ao toque. O seu deslizar pelas mãos era um toque de lábios beijando de mansinho a pele, suavizando os calos, naqueles pequenos montes na raiz dos dedos.
Quando o vi parecia-me só mais um, entre tantos outros que dormiam ali perto. Descobri aos poucos, que não tinha a brancura de uns, nem o musgo de outros. Não era muito bicudo, ou demasiado redondo. Uns estavam molhados e escorregadios, outros tão ressequidos que se esfarelavam com uma simples passagem do olhar.
Ele esteve ali tanto tempo. Tanto tempo que nem suspeitei que me chamava, para que o levasse na palma daquela mão, pendida ao lado da anca. Aos poucos, debrucei-me sobre aquela pedrinha, moldada por aluviões e secas. Por rios e lamas. Há quanto tempo ali estaria? Quanto tempo e trabalho lhe tinham dado as ninfas e os zéfiros, para que estivesse ali, assim, diante os meus pés, tão fácil de calcar e passar por cima.
Aquela pedra, oval e macia, carente do toque da minha mão, mais não queria que passar despercebida, enquanto as eras lhe passavam acima do rosto. Inócua ao tempo, que parecia corroer as árvores e as águas em seu redor, e não a preocupava. Queria apenas ser uma pedra, pequena e viva, por dentro, e bastava-lhe saber que podia ancorar um barco, ou afundá-lo. Deixar que o amarrassem a si, ou atirar-se do seu mastro de veleiro com pavilhão índigo arrombando-lhe o casco.
E no entanto ali estava, apenas, sentada, junto ao lago, a olhar as águas paradas, a sonhar os dias em que se desprendeu da alta montanha e rolou, rolou e rolou, até se cansar de rolar. Cheia de sede, abeirou-se de uma levada da neve que descongelava no cume, e caiu. E deixou-se levar. E a levada foi um regato, e o regato um ribeiro que cresceu em rio. Precipitada entre o fundo e os leitos, parou ali, à tona, na margem entre a terra, o céu e a água, onde eu a encontrei.
Olhei-a de todos os lados. Pensei as suas propriedades geológicas. Não sedimentar, nem basáltica. Nem porosa. Era apenas macia e lisa, oval e cinzenta. E falava. Disso lembro-me perfeitamente. Falava, mas sem sons. Trauteava uma música que me era familiar, como se já a tivesse encontrado antes, e me tivesse cantado aquela mesma canção.
A letra não eram palavras, eram imagens e estórias que viveram muitos anos depois de si. As imagens eram contos, de estórias passadas há muitos anos atrás, um dia em que, ainda criança, visitei pela primeira vez aquele lago sem suspeitar que brincavas, escondida, nas suas margens. À espera. Simplesmente, à espera.
Quando o vi parecia-me só mais um, entre tantos outros que dormiam ali perto. Descobri aos poucos, que não tinha a brancura de uns, nem o musgo de outros. Não era muito bicudo, ou demasiado redondo. Uns estavam molhados e escorregadios, outros tão ressequidos que se esfarelavam com uma simples passagem do olhar.
Ele esteve ali tanto tempo. Tanto tempo que nem suspeitei que me chamava, para que o levasse na palma daquela mão, pendida ao lado da anca. Aos poucos, debrucei-me sobre aquela pedrinha, moldada por aluviões e secas. Por rios e lamas. Há quanto tempo ali estaria? Quanto tempo e trabalho lhe tinham dado as ninfas e os zéfiros, para que estivesse ali, assim, diante os meus pés, tão fácil de calcar e passar por cima.
Aquela pedra, oval e macia, carente do toque da minha mão, mais não queria que passar despercebida, enquanto as eras lhe passavam acima do rosto. Inócua ao tempo, que parecia corroer as árvores e as águas em seu redor, e não a preocupava. Queria apenas ser uma pedra, pequena e viva, por dentro, e bastava-lhe saber que podia ancorar um barco, ou afundá-lo. Deixar que o amarrassem a si, ou atirar-se do seu mastro de veleiro com pavilhão índigo arrombando-lhe o casco.
E no entanto ali estava, apenas, sentada, junto ao lago, a olhar as águas paradas, a sonhar os dias em que se desprendeu da alta montanha e rolou, rolou e rolou, até se cansar de rolar. Cheia de sede, abeirou-se de uma levada da neve que descongelava no cume, e caiu. E deixou-se levar. E a levada foi um regato, e o regato um ribeiro que cresceu em rio. Precipitada entre o fundo e os leitos, parou ali, à tona, na margem entre a terra, o céu e a água, onde eu a encontrei.
Olhei-a de todos os lados. Pensei as suas propriedades geológicas. Não sedimentar, nem basáltica. Nem porosa. Era apenas macia e lisa, oval e cinzenta. E falava. Disso lembro-me perfeitamente. Falava, mas sem sons. Trauteava uma música que me era familiar, como se já a tivesse encontrado antes, e me tivesse cantado aquela mesma canção.
A letra não eram palavras, eram imagens e estórias que viveram muitos anos depois de si. As imagens eram contos, de estórias passadas há muitos anos atrás, um dia em que, ainda criança, visitei pela primeira vez aquele lago sem suspeitar que brincavas, escondida, nas suas margens. À espera. Simplesmente, à espera.
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