As coisas que oiço de quem passa são versos soltos ao vento, acordes insofismáveis da alma em brancura. Reflexos do linho nos campos, que aguarda ser colhido e fiado e tecido.
Uma manta de malhas entrecruzadas no espaço de um lençol, o seu esvoaçar num estendal, sendo levada pelo vento e caindo no chão. Naquela erva verde, rebolando sobre si mesma, dobrando-se e amarrotando-se contra o seu próprio corpo, acariciando o pasto dos rebanhos.
É trabalho das mãos hábeis e frias de alguém que não lembra o dia em que nasceu. Aquela carcaça enrugada, presa em xailes que já se confundem com a pele. Levou os rebanhos vezes sem conta para os montes frescos e o vento cortou-lhe o rosto, cavou-lhe os traços dos olhos, cerrou-lhe as sobrancelhas, de tanto que franziu o cenho.
Não consegue contar em números de gente as horas, os dias, os meses. É a Lua que a rege, a Lua que lhe dita os jeitos do mundo, das árvores, das criações e do próprio cabelo, atado numa burleta preta.
Deita os ovos às galinhas quando a noite é mais escura, coisas de gente que não fala os dialectos do mundo. Lá, onde as noites iluminam o céu das nuvens em tons de fogueira, chamam-lhe, as pessoas, nova, à Lua. Mas, esses, não sabem aquele palavreado de gente, que é gente porque não lembra a idade.
Vive o mundo no que sente, incerta se aquele carreiro que percorre desemboca no mesmo sítio de dias anteriores. Os carreiros mal marcados e pouco vagueados têm destas coisas, mudam de noite os seus destinos, só para se divertirem quando as velhas cegas e decrépitas se perdem em lugar estranho. Elas, velhas carcomidas pelos anos que não contam, olham as árvores, baças, a seus olhos já vesgos, esperando reconhecer-lhes o tronco por alguma marca talhada a canivete, por algum resto de resina, por algum cheiro de outros tempos. Cheiro dos tempos de luz em que as terras lhes pareciam novas, ou novidade.
Uma manta de malhas entrecruzadas no espaço de um lençol, o seu esvoaçar num estendal, sendo levada pelo vento e caindo no chão. Naquela erva verde, rebolando sobre si mesma, dobrando-se e amarrotando-se contra o seu próprio corpo, acariciando o pasto dos rebanhos.
É trabalho das mãos hábeis e frias de alguém que não lembra o dia em que nasceu. Aquela carcaça enrugada, presa em xailes que já se confundem com a pele. Levou os rebanhos vezes sem conta para os montes frescos e o vento cortou-lhe o rosto, cavou-lhe os traços dos olhos, cerrou-lhe as sobrancelhas, de tanto que franziu o cenho.
Não consegue contar em números de gente as horas, os dias, os meses. É a Lua que a rege, a Lua que lhe dita os jeitos do mundo, das árvores, das criações e do próprio cabelo, atado numa burleta preta.
Deita os ovos às galinhas quando a noite é mais escura, coisas de gente que não fala os dialectos do mundo. Lá, onde as noites iluminam o céu das nuvens em tons de fogueira, chamam-lhe, as pessoas, nova, à Lua. Mas, esses, não sabem aquele palavreado de gente, que é gente porque não lembra a idade.
Vive o mundo no que sente, incerta se aquele carreiro que percorre desemboca no mesmo sítio de dias anteriores. Os carreiros mal marcados e pouco vagueados têm destas coisas, mudam de noite os seus destinos, só para se divertirem quando as velhas cegas e decrépitas se perdem em lugar estranho. Elas, velhas carcomidas pelos anos que não contam, olham as árvores, baças, a seus olhos já vesgos, esperando reconhecer-lhes o tronco por alguma marca talhada a canivete, por algum resto de resina, por algum cheiro de outros tempos. Cheiro dos tempos de luz em que as terras lhes pareciam novas, ou novidade.
Rodopia, trémula, sobre si e bate com as costas num tronco, como numa parede que a ampare. Prostra-se com a cara gelando contra o manto de caruma e húmus daquele chão, lavado de chuvas novas. As mãos erguidas ao céu de um Deus que nunca viu mas sempre lhe disseram que existia. Solta-se-lhe uma lágrima que compreende a solidão onde se acha, o abandono a que se votou nos seus séculos de clausura. Está só em sangue e alma, num chão húmido e repleto de vida que a recebe e consome, perdida de si na irmandade de um mundo que lhe escapou entre os dedos.

World Press Photo 2005, 1st prize
1 comentário:
está lindo! lindo! lindo! toda esta sucessão de palavras... adorei (volto!claro). beijinhos
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