sexta-feira, novembro 04, 2011

o Mestre

Existe uma procura incessante, por um achado tão raro e distante do qual apenas rezam os livros de história, os contos bíblicos, Homero e os clássicos nas suas epopeias, os fascinados da nova era, da nova ordem, do novo despertar.

Há muitos nomes para o que se procura, muitas expectativas sobre o que se irá encontrar, e muita tinta, muitas ideias discorridas sobre os métodos, a preparação interior e exterior para atingir tal epifania do ser, como se a própria existência de quem procura estivesse ameaçada de morte, em perigo de extinção.
Entre livros de auto-ajuda, relatos de tradições ocultistas perdidas no tempo, na memória de ordens secretas com fins obscuros ou, pelo menos, cuja revelação esteja sujeita à prática iniciática, todos mais ou menos confluem na sua génese, naquilo que os moveu ao encontro de um despertar, de um conhecimento mais profundo.

O Homem dos dias de hoje – nele me incluo, ou doutro modo nunca disto me daria conta – procura o que tantos outros procuraram na antiguidade clássica, na idade medieval, no renascimento, no iluminismo, no modernismo, na contemporaneidade.

Procura-se um caminho, é certo, mas algo mais além do caminho. O caminho é o alvo fácil. Conhecer a existência do caminho e até os detalhes do percurso em nada acalmam os que têm sede de nele se aventurarem. Por vezes três passos são suficientes para satisfazer a curiosidade. Outras vezes, ascender a escadaria até aos últimos degraus da iluminação, do conhecimento último é suficiente para preencher o vazio, mas insuficiente para encontrar respostas contundentes.

Alguns apaziguam a sua natureza inquisitiva com a companhia de outros ambulantes, perdem-se na magia dos rakings e das iniciações, apresentam-se e auto-integram-se numa hierarquia imperfeita, reflexo da ordem cabalística dos céus. Criam-se cursos, conferem-se graus, iniciam-se e reiniciam-se praticantes e curiosos na esperança de apaziguamento intelectual muito além do espiritual, muito além do mental.

Há enraizada na humanidade uma amnésia colectiva, uma necessidade de redescoberta na ordem inversa da progressão do tempo. Um passado histórico da humanidade, esquecido e enterrado em eras, séculos e décadas, correntes doutrinais e académicas, escolas e confissões, dogmas e rejuvenescimentos.
Mas tudo busca, todos procuram um Mestre que lhes diga o que foram, o que são e o que serão.
O Mestre é quem falta no caminho percorrido e a percorrer, o último degrau na hierarquia. É a quem recorrer, o guia maior do templo que guarda os melhores indícios para as respostas às perguntas mais difíceis de formular.

Para o discípulo, o Mestre é aquele que conhece a pergunta verdadeira que reorienta a busca e é a certeza de companhia no meio da solidão.

O Mestre para muitos apresenta-se como o próprio caminho ou, vice-versa, o caminho é o próprio Mestre.
A mestria magistral, aquela que ensina sem ser pedida, a que está presente sem se revelar, a que se releva sem ofuscar; é esta a busca incessante do homem inquieto e cobarde.

A cobardia aqui é boa. Não me tomem por arrogante. Cobarde sou eu também que vivo na imensa busca de um saber transcendente, na esperança de encontrar alguém que me mostre o caminho para lá chegar.
A cobardia, sinto-a todos os dias quando sigo o caminho mais fácil para o trabalho, o que me leva em linha recta, sem desvios, e que me transporta, talvez pela parte mais feia da cidade, quando na rua ao lado existe um belo jardim pronto a ser atravessado.

Hoje procuro o Mestre dos mestres, na história, no presente, no futuro, como se a dimensão do tempo de nada importasse. E tenho para comigo, como tese que proponho explorar, que tal Mestre é uma ilusão se o julgarmos uno, indivisível, presente, omnisciente.

Os muitos que procuram um Mestre procuram um Deus em disfarce, um peregrino que resgate S. Martinho debaixo do intenso aluvião.

Chamam-lhe Mestre porque a palavra Deus soa, na Europa e em geral na ocidentalidade, como algo desconfiável, uma ideia sem sustentação científica como se a sustentação científica fosse pressuposto da fé e não, talvez, parte da sua antítese necessária e imutável.

Não me lanço na procura de Deus. Muitos tentaram e continuam a tentar, com bastante mais displicência, conhecimento e sabedoria que aquela que eu posso oferecer a tão imensa tarefa. Aos teólogos e ateus deixarei esse labor; aos primeiros a prova da existência, aos segundos a sua refutação.

Mas um Mestre é diferente de um Deus. A procura de um Mestre é menos pretensiosa, é mais pessoal.

Como próprio caminho, o Mestre é individual, fala ao coração e à razão de uma forma tão clara e directa que se torna incontestável a verdade relativa e absoluta do que afirma.

Tenho convivido com alguns mestres: uns autoproclamados, com mérito e sem mérito, outros aos quais reconheço mestria na sua dimensão humana e intelectual profunda – o que não deixa de ser a minha percepção, ajustada em função meu próprio mapa mental –, outros são mestres nas artes da escrita, da política, da associação comunicativa e de gentes.

Como pressuposto de teste, assumo que a todos estes a mestria acorra como uma dimensão, uma parte de um todo maior, uma inspiração, uma dádiva, uma canalização, um reflexo de um espírito, de um cérebro e de uma mente activa, toldada pelas vivências, pelas paixões, pelas lições apreendidas e dadas.

Conversarei com alguns destes pequenos mestres, com homens e mulheres insuspeitos mas que apresentem alguma das características puramente indiciáticas, suspeitas, incomuns ou meramente extraordinárias que nos propomos deslindar.

O objectivo desta obra é encontrar ou reencontrar esse Mestre natural, consensual, essa trave-mestra que temos presente ou da qual sentimos falta. Em boa verdade, um desafio não menos exigente que a própria procura da afirmação ou negação irrefutáveis de Deus.

Uma diferença impera, contudo. Procura-se o Mestre não para saber se é existente ou inexistente, apenas para o conseguir identificar quando um dia, verídico ou hipotético, estejamos na sua presença.

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