tenho estado estes dias em casa, na casa dos meus pais - corrijo, porque casa, lar, foi algo que deixei para trás no dia em que parti para estudar fora. O meu lar abandonou-me, como me abandonei eu próprio a viver sem ele, sem lhe sentir a falta, mas desejando regressar a um lar meu, por mim construído, comigo nascido, comigo envelhecido. A miragem de uma conquista que não se consegue sozinho, à sombra de uma linha paralela criada à imagem e à mesma velocidade do mundo real.
ainda me vejo preso entre esse equilíbrio desigual do que vou criando e do que espero criar, que em perspectiva é o que presentemente possuo e as marcas que deixo à medida que sigo em frente. como se um dos mundos vivesse indexado ao outro e ainda assim se mantivesse dele apartado.
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penso muito mais agora antes de escrever, que quando o fazia meses atrás e por meses sucessivos. tento pesar as palavras e o sentido das frases a ver se soam a verdades ou a romances novelísticos ditados para e pela minha memória, como uma estória que contasse repetidamente a mim próprio, para me forçar a acreditar.
sinto que é verdade que depois de Janeiro nem o melhor é tão bom, ou que até o pior já não custa tanto a suportar. uma perna de cada um dos lados de uma ribanceira íngreme que se vai abrindo sob mim, como se se afastassem os continentes deixando lugar ao mar, ondulante logo abaixo.
vejo o pouco que me é dado a conhecer e imagino como será o resto, como seria nunca sentir a falta de alguém, deixar cair as esperanças de que existiria sempre alguém à espera de mim nalgum sítio de onde não sou. De onde já não sou.
oiço falar daquele lar que me desertou, viajando nas bocas de tantos em meu redor, bons conhecedores dos costumes e do que é suposto ser correcto, sensato ou ousado, veneráveis detentores do saber de tudo o que não lhes diga directamente respeito, perdidos, sem saberem que também têm direito a um lar que deles lhes foi também, extorquido, abandonado ou dizimado.
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pequenos encontrões que o tempo me dá, para me chamar à razão, como se desejasse claramente que não nos deixemos falhar por pouco, errar indefinidamente pela juventude, estagnados na insatisfação, cosendo remendos a panos já gastos, à espera que o melhor apareça, trazido pela sorte ou pela mudança natural do estado das coisas.
deixa-te tu aí parar, detido pelo que não podes ter, se assim quiseres, se esse for o rumo que escolheres com medo que te possas magoar, ou magoar ainda mais. gente presa entre comparações insolucionáveis, como a história dos infernos do irreconhemento eterno da tua própria imagem. Conversas infinitas contra o reflexo no espelho, batida a tua inteligência por si mesma.
eu cá seguirei, aos tombos, entre erros e tropeções, em dores e alegrias diminuidas se necessário. só não quero ficar.
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