percorro os dias entre lembranças distantes e o trabalho fatigante que me deixa descansar dessas memórias. aprendi a pôr no trabalho toda a energia que possuo, para conseguir chegar ao fim com tão pouco tempo que não possa pensar em mim e nas coisas que perdi, nas pessoas que passaram ao lado e que nunca mais conseguirei tocar.
resta-me tão pouco que já não consigo escrever com tanta frequência como costumava fazer. perco a lógica do mundo entre as contínuas viagens de carro, entre casa e a faculdade, cruzando sempre as mesmas ruas, dia após dia, hora após hora, noite após noite.
quando saio com os meus amigos não me consigo divertir. eles não percebem, nem têm que o perceber, mas sinto que quantas mais pessoas estão em meu redor mais só me sinto.
rio e digo disparates, entro nas conversas dos outros, que não conheço, na esperança de conseguir reencontrar a parte de mim que perdi. e sinto-me frustrado. sinto-me tão frustrado como quando não recebemos a resposta que gostavamos de ouvir, áquela pergunta que durante dias e noites infinitas ensaiamos algures dentro de nós, entre a cabeça e a garganta, e que nunca conseguimos dizer.
as palavras certas, que nunca sairam completamente, por medo de perder o que não temos, e nos fizeram falhar. será que terei falhado a minha vida? quantas vezes não me obrigo a despertar de sonhos feitos em suposições sem fundo de verdade, com raízes nos desejos do mundo ideal por onde vagueio, só para não ouvir a resposta. enquanto ao longe as conversas entrecruzadas dos amigos enchem a sala.
entre uma e outra gargalhada, sorrisos pouco sinceros de quem se gostava de rever em pequenos gestos dos outros, sem perder a integridade que conquistou por si. perderemos a nossa identidade quando nos damos a alguém? também não sei quanto perdi, do quanto dei.
às vezes desejo em segredo apenas desaparecer, deixar de existir por breves momentos, em que não teria que pensar e forçar-me a não lembrar. a amnésia, pensamos que é uma cura para muitas recordações mas, na verdade, é um analgésico de efeito breve. e imagino como deve ser bom sentir as luzes à nossa volta apagarem-se, dissolvendo-se no ar até não restar nada a que possa chamar meu. não há mais o meu corpo, a minha vida, o meu espírito, a minha consciência, ou os meus sonhos, sequer.
perco-me só mais um pouco, desejo ficar por lá uns tempos, e depois voltar, sem consciência de ter ido. e o lugar também não importa.
outras vezes, gostava de poder falar de ti, de como eras perfeita aos meus olhos, de todos as histórias que partilhámos. queria apenas que me ouvissem, sem se sentirem incomodados, chocados ou constrangidos. não queria que me tentassem compreender, ou sentir aquilo que sinto. só que me ouvissem, me deixassem contar tudo, de um fôlego, e depois me deixassem chorar, como se fossem pedras, sem sentimentos ou compaixão.
1 comentário:
Naturalmente....
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