Tratado de Tordesilhas (7 de Junho de 1494)
Voltando de férias, nesta mesma tarde, não posso contrariar a vontade que tenho de dedilhar, um pouco mais, pelo teclado, actualizando este meu blog, às vezes, tão decrépito e abandonado. Mas como se sabe, nem sempre é fácil encontrar a inspiração e paciência necessárias, metendo ao caminho os cinco dedos, com os quais costumo escrever.
Apesar do, já, adiantado da hora, tive que vir escrever qualquer coisa, nem que fosse só para dizer que ainda não sucumbi às terríveis areias algarvias, ou, nem mesmo, àquela gulosa doçaria, de açúcares, amêndoas e doces de ovos, que caracterizam a região e engordam os turistas, mais ou menos, acidentais.
Já não me recordava, desde as últimas férias que passei fora de casa, durante o período das festividades pascais, também em terras de mouros, a falta que me fazia este estúpido aparelho a que me afeiçoo, mais até que à generalidade das pessoas. É mais um dos vícios que, bem vistas as coisas, só o é porque o podemos ter. Quero com isto dizer que, ao final do segundo dia de férias já passei tão bem sem computador como se nunca lhe tivesse mexido anteriormente, ignorando a sua completa existência. Se pensar bem no caso, reparo, até, que na maior parte das vezes, o que torna mais divertido um computador é premir o botão que o liga e desliga, porque nas restantes horas em que permanece ligado fico, impávido e sereno, olhando para o ecrã, observando quem entra e quem sai, sem dirigir palavra a ninguém, excepto aqueles casos raros, das pessoas com quem podemos sempre falar e dizer todos os disparates que quisermos, iniciando uma conversa sem dizer "olá" ou "oi".
São circunstancialismos castradores, parece-me, e que demonstram como não estamos tão descontraídos com determinadas pessoas como com outras. Na vida física, do dia a dia, por ventura, também sucede a mesma coisa. Contudo, na internet sempre temos a possibilidade de seleccionar os nossos contactos ou, pelo menos, decidir com quem queremos, ou nos apetece conversar de tudos e nadas.
Agora, que olho para a minha lista de contactos (muito mais pequena que o fora há algum tempo atrás), apercebo-me que, afinal, as pessoas com quem consigo começar uma conversa sem ser, imperativamente, por um "oi" ou por um "ola" se resumem aquelas mesmas pessoas com quem posso falar em qualquer instante, sem necessitar de internet para nada.
Isto leva-me a acreditar que os computadores, nestas funções corriqueiras no nosso dia-a-dia doméstico, mais não são que meros caprichos de uma necessidade de comunicação permanente e já satisfeita.
Por esse motivo, deu-me muito mais prazer pegar no telemóvel e conversar alegremente com uma boa amiga durante quase 20 minutos, arruinando metade do saldo disponível.
Agora, que voltei a embrenhar-me por este amontoado de rotinas cibernéticas, de onde me desprendi para dar execução às "Férias em Família - Parte I", começo aos poucos a pensar como terá sido possível afastar-me tanto tempo deste blog ranhoso e deste computador peçonhento, adereçado por um rato fedorento... (e assim se conservem por muitos e bons anos, devo acrescentar).
Falando, ainda, destas férias familiares, que correram melhor do que aquilo que estava à espera, interrogo-me se terei um espírito de mártir, de masoquista, como já me disseram, ou se serei, simplesmente, parvo por completo e desde a nascença. Sinceramente, não me consigo decidir. Quando me encontro em casa, num dos muitos fins-de-semana, durante o decurso das aulas, parece que me afogo num tédio e num desejo de me libertar da tutela do poder parental. Não que seja obrigado a fazer alguma coisa contra a minha vontade, porque isso nunca resultou em mim. Na verdade, a sensação de claustrofobia vem de todas as perguntas que me fazem, e de todos os cenários que traçam para tentar descobrir aquilo que eu não lhes quero contar. Não que se trate de algo grave ou importante, mas simplesmente, porque me reprime e lança num mundo tão só meu que mesmo quando quero mostrar um pouco dele a alguém não o consigo fazer.
É tão impenetrável essa solidão que os silêncios geram embaraços, em que ausência de sons precipita uma qualquer revelação involuntária. Adoro, por isso estar rodeado de pessoas, deixando-as falar, entre si, e intervindo, apenas, quando for seguro, evitando expor o que penso, evitando perguntas a que teria que dar respostas fundamentadas, à pressa, em coisas que não acredito, só para não revelar, verdadeiramente, as convicções que tenho, e que só partilho com quem tiver legítimo interesse em querer saber e se esforçar minimamente para isso. É uma forma, como qualquer outra, de me defender do resto do mundo. Preciso, talvez, de mais tempo que a maioria das pessoas para conseguir confiar nos outros, e confiar-lhes os segredos, que não são preciosos, mas que são meus. E para isso, reciprocamente, tenho que conseguir sentir, ou tenho que acreditar, que o interesse dos outros está em mim e não naquilo que digo, penso, mostro ou escondo.
As férias permitem-nos pensar em muitas coisas, porque o ócio é grande, e as ocupações são reduzidas e pouco desgastantes. Pelo que dá para nos deitarmos na cama, de barriga para o ar a pensar... pensar... pensar... e, na maioria das vezes, sem chegar a qualquer conclusão ou resultado - coisa que é normal em quem pensa muito e faz pouco.
Até que me apetecia continuar, mais um pouco, a escrever nesta carta aberta tudo o que me dá na telha, mas a verdade é que já tou nisto há mais de uma hora, e amanhã tenho que ir desenterrar a vaca da dentista que me esmifrou um dente há duas semanas, e me está a provocar uma dorzinha aguda, incomodativa e irritante que só pode derivar em asneirada delirante, que viria a publicar neste blog.
1 comentário:
Adorei este teu tratado. Creio que todos nos sentimos um pouco assim (pelo menos eu).
Nunca te esqueças que o ócio é amigo do poeta...
Nunca te esqueças que pessoas são matéria pro poeta...
Nunca te esqueças que sentimentos (todos) são experimentações do poeta...
Nunca te esqueças que tudo isso pode ser esquecido...
Grande beijo.
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